quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Montanha-russa

MARCELO MITERHOF

Modelo nacionalista russo parece continuar forte, apesar de PIB volátil e defasagem tecnológica

A Rússia é de extremos. O seu capítulo no livro "Padrões de Desenvolvimento Econômico, Estudo Comparativo de 13 Países: América Latina, Ásia e Rússia", escrito por Numa Mazat e Franklin Serrano, traça um panorama de sua trajetória econômica desde o pós-Guerra, marcada pelo comunismo e seu drástico fim.
De 1950 a 1974, houve relativo sucesso na industrialização da antiga URSS, mantendo expansão média da renda per capita de 3,5% anuais.
Para tanto, se recorreu a matérias-primas de baixo custo e à mão de obra advinda da mecanização agrícola e da incorporação das mulheres na força produtiva.
O país criou uma estrutura industrial diversificada e acabou com o desemprego e a pobreza. O modelo se esgotou juntamente com as reservas de mão de obra, o que levou o governo a buscar um novo caminho nas inovações. Porém a organização centralizada se mostrou inapropriada ao desafio.
Além da ausência de pressão dos concorrentes, uma empresa, em vez de ver nas inovações uma fonte de ganho, as tinham como problema burocrático, como ter que realocar a mão de obra tornada redundante por aumentos de produtividade.
Diferentemente dos EUA, onde as Forças Armadas geram tecnologias aproveitadas pelas empresas, na URSS a prioridade de Defesa tornava absolutamente secretos os avanços obtidos. Ademais, processos e produtos tinham que poder ser convertidos para o uso em guerras, tornando-os mais custosos e de menor qualidade. Por exemplo, aviões, tratores e caminhões civis tinham especificações militares.
Na agricultura, os ganhos de produtividades não persistiram em razão da dificuldade de ocupar terras em regiões de frio intenso.
As dificuldades tecnológicas e de segurança alimentar exigiam que a URSS elevasse suas importações de bens de capital, insumos de informática, cereais etc. Para financiá-las, o país direcionou a produção de petróleo e gás para a exportação.
A URSS passou a depender da tecnologia do Ocidente e dos preços internacionais das matérias-primas. Nos anos 80, o choque dos juros americanos e a reversão dos choques do petróleo levaram à crise no balanço de pagamentos.
As reformas da perestroika tentaram combater a ineficiência produtiva dando mais autonomia às empresas, que adotaram o modelo de autogestão e depois foram sendo dominadas por gerentes.
Os resultados foram desastrosos: os conselhos de trabalhadores elevaram a apropriação de renda, reduzindo os investimentos; o Estado deixou de ter as receitas das estatais, o que aumentou o deficit fiscal, o excesso de demanda e os problemas de escassez; as contas externas pioraram etc.
De 1975 a 1991, a renda per capita cresceu em média 0,2% ao ano. O fim da URSS e a transição para um capitalismo liberal pioraram a situação: de 1992 a 1998, o indicador teve queda de 6,9%.
A liberalização de preços trouxe um surto inflacionário, que acabou com o excesso de demanda, mas também derrubou o investimento e o gasto público.
A liberalização financeira --que permitiu até que as firmas não internalizassem as divisas das exportações--, em vez de atrair recursos, levou à fuga de capitais.
A partir de 1995, câmbio fixo e juros altos foram usados para estabilizar a moeda. Todavia, a valorização cambial, a perda de reservas e os efeitos da crise asiática de 1997 levaram à crise russa um ano depois.
É nesse contexto que a partir de 1999 ascendem ao poder governos nacionalistas. Além de ter contado com altas do petróleo, o regime forçou a internalização de 75% das divisas nas vendas externas, acumulou reservas (de US$ 11 bilhões em 1999 para US$ 600 bilhões em 2008), reduziu os juros reais de 20% ao ano para taxas negativas, estatizou banco, taxou as exportações de commodities, entre outras políticas ativistas. De 1999 a 2008, a renda per capita cresceu a 7,2% anuais.
É verdade que as contas externas e fiscais permanecem dependentes dos preços das commodities. A movimentação de capitais continua ampla, podendo deixar o país vulnerável mesmo com superavit corrente. Tais restrições se evidenciaram de novo com a crise internacional a partir de 2008, que trouxe volatilidade ao crescimento.
Ainda assim, embora continue defasada tecnologicamente, a Rússia não tem sinais de desindustrialização, como ocorre em outros países ricos em recursos naturais. Com pontos fortes, limites e contradições estruturais, o modelo nacionalista parece se manter forte. Folha, 04.09.2014.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Kremlin pagará indenização bilionária a proprietários da petrolífera Yukos: Decisão de tribunal em Haia exige devolução de 70% do valor da empresa expropriada pelo governo em 2004

Kremlin pagará indenização bilionária a proprietários da petrolífera Yukos
A decisão poderá afetar as gigantes estatais do país, tais como a Rosneft e a Gazprom Foto: AP
A Rússia terá que pagar uma indenização de US$ 50 bilhões aos antigos acionistas da petrolífera Yukos, decidiu o Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia, no julgamento do processo aberto contra o governo russo pelos acionistas da empresa. 
Segundo a decisão publicada no dia 28 de julho, Moscou será obrigada a devolver um valor aproximado de 70% da empresa aos acionistas, para compensar o prejuízo sofrido pelos antigos donos da empresa em decorrência da venda de seus ativos em 2004.
Caso a sentença permaneça a mesma após a análise do recurso, a parte vencedora poderá exigir o congelamento de quaisquer bens pertencentes à Rússia fora do seu território que não estejam sendo utilizados para os fins de representação de seus interesses. 
Na opinião do tribunal de Haia, houve uma violação do Tratado da Carta da Energia por parte da Rússia, que de fato expropriou a empresa de seus proprietários legais em 2004, repassando a petrolífera Yuganskneftegaz, principal ativo da Yukos, à estatal Rosneft, entre outras mudanças.
Após a divulgação da decisão judicial, o ministro das Relações Exteriores, Serguêi Lavrov, e representantes do Ministério das Finanças da Rússia revelaram sua intenção de entrar com recurso, solicitando uma segunda análise do caso pela corte holandesa. Segundo os ministérios, o país assinou o Tratado da Carta da Energia, porém deixou de ratificá-lo, o que proíbe o julgamento do caso por qualquer tribunal de Haia.
A decisão poderá afetar as gigantes estatais do país, tais como a Rosneft e a Gazprom, entre outras companhias que atuam no ramo de petróleo e gás, nomeadas como beneficiárias da falência da Yukos pelo Tribunal de Haia. "Como a Gazprom e a Rosneft foram incluídas na lista dos requeridos do processo contra a Federação Russa, elas também não escaparão do pagamento de uma parte da indenização de US$ 50 bilhões, previsto pela sentença", explica Dmitri Gorbatenko, advogado do escritório de advocacia Plechakov, Uchkalov e Associados.
Na opinião do advogado, há a possibilidade de transferência da responsabilidade pelo pagamento da compensação às empresas em questão, que, na pior das hipóteses, resultará no congelamento de seus bens em solo estrangeiro. 
"A decisão sem dúvida foi influenciada em grande parte pelas forças políticas, e de modo geral pode ser considerada uma continuação da luta dos países ocidentais contra as empresas russas", acredita Aleksêi Kozlov, analista sênior da empresa de investimentos UFS IC.
Ativos ameaçados
De acordo com Vladislav Tsepkov, sócio sênior da empresa de advocacia Iúrlov e Associados, o governo russo tem dez dias para apresentar o seu recurso aos tribunais holandeses após a divulgação oficial da sentença que, segundo ele, prevê o pagamento da indenização até o dia 15 de janeiro de 2015, a partir do qual começará o acúmulo de juros.
Segundo estimativas de especialistas, a rejeição do recurso apresentado pela Rússia após a divulgação da sentença do caso da Yukos resultará em possíveis congelamentos dos bens pertencentes ao país localizados fora do seu território, que segundo Gorbatenko incluiriam "quaisquer ativos da Federação Russa não sujeitos à imunidade estatal".
Para Vitáli Tsvetkov, diretor do departamento de análise de informação da consultoria Gradient Alfa, o valor total de posses da Rússia em solo estrangeiro não atinge US$ 50 bilhões, enquanto as embaixadas, consulados e representações do país são protegidos pela lei e não podem ser repassados aos requerentes. "Apesar do risco de perder seus ativos localizados fora do território nacional, as empresas estatais da Rússia não precisam se preocupar por enquanto, pois, devido à falta de precedentes, os processos judiciais de expropriação seriam complexos e demorados", acredita o especialista.

Outros casos

O caso da Yukos não é a primeira derrota da Rússia nos tribunais internacionais. O processo mais conhecido foi julgado em 1993 pela Corte de Luxemburgo, que condenou o país a indenizar a empresa suíça Noga no valor de US$ 300 milhões, por conta de dívidas ligadas a acordos para o fornecimento de alimentos em troca de petróleo em 1991 e 1992. A empresa suíça chegou a reter aviões das forças armadas russas, confiscar obras artísticas do país e congelar contas correntes de empresas estatais russas na tentativa de reaver o valor da dívida. O caso foi encerrado apenas em 2009, quando o Tribunal Federal de Recurso dos Estados Unidos se recusou a reconhecer as demais demandas da empresa.
Em 1998, o empresário alemão Franz Sedelmayer ganhou uma compensação do governo russo no valor de cerca de 2 milhões de euros, conforme uma decisão judicial tomada pelo Tribunal de Arbitragem de Estocolmo. Em 2010, uma corte sueca aprovou a sua solicitação de congelamento do prédio da representação comercial da Rússia na Suécia, que foi vendido em leilão em fevereiro de 2014, e o valor da transação foi repassado ao empresário.
  31/07/2014 Aleksêi Lossan, Gazeta Russa 

A verdade tem que vir à tona: Serguêi Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia