terça-feira, 22 de abril de 2014

Rússia se torna mais radical

Por DAVID M. HERSZENHORN
MOSCOU - O banner enorme foi desenrolado em 11 de abril diante de uma das maiores livrarias de Moscou, a Dom Knigi.
O local fica em frente a uma agência do Citibank, a uma loja de sorvetes da marca Baskin-Robbins e a uma filial da Dunkin' Donuts, e no mesmo quarteirão de um cinema que atualmente exibe "Capitão América 2: O Soldado Invernal".
Além dos dizeres "Quinta Coluna" e "Estranhos Entre Nós", o banner mostrava retratos em preto e branco de três conhecidas figuras da oposição ao governo russo e de dois roqueiros dissidentes da época soviética, assim como dois alienígenas de aparência ameaçadora. Um deles segura uma pasta com a fita branca que virou símbolo dos protestos políticos contra o presidente Vladimir Putin e o governo russo.
Desde o momento em que a Rússia invadiu e anexou a Crimeia, houve um novo esfriamento nas relações com o Ocidente e um nacionalismo sinistro, incitado pela televisão sob controle estatal e pelo próprio Putin, se dissemina nessa capital intranquila.
"Alguns políticos ocidentais já estão nos ameaçando não só com sanções, mas também com a perspectiva de problemas internos cada vez mais graves", disse o presidente em um discurso anunciando planos para a Federação Russa absorver a Crimeia.
"Eu gostaria de saber exatamente o que eles pretendem: ações a cargo de uma quinta coluna, esse punhado diversificado de 'traidores da pátria', ou será que esperam nos colocar em uma situação social e econômica pior a fim de provocar a insatisfação pública?"
Hoje, Moscou é uma cidade de perfil internacional, onde skatistas no parque Gorky usam bonés dos Yankees de Nova York que compraram durante férias nos Estados Unidos, e onde bolsas de grifes francesas e italianas podem ser provenientes de Paris ou Milão, ou de uma das butiques na praça Vermelha.
Desde a incursão militar na Crimeia, porém, veem-se bandeiras russas penduradas nas janelas de edifícios por toda a cidade.
Agora também há um site cujo nome traduzido significa "traidor.net", com fotos e citações de figuras públicas contrárias à política da Rússia em relação à Ucrânia. O site convida os visitantes a "indicarem um traidor".
Sob a direção de Putin, um comitê liderado por seu chefe de gabinete está desenvolvendo uma nova "política estatal para a cultura".
Essa política, que possivelmente se tornará lei, enfatiza que "a Rússia não é a Europa" e instiga "uma rejeição aos princípios do multiculturalismo e da tolerância".
O projeto pretende salientar que a Rússia é "uma civilização singular com um governo de Estado", segundo reportagens que citaram Vladimir Tolstoi, conselheiro presidencial para cultura.
O site de notícias russo znak.com também relatou recentemente que uma série popular de livros de matemática seria excluída da lista oficial de textos educativos recomendados, pois usava de forma exagerada personagens de contos de fadas e estrangeiros em suas ilustrações.
"O que vemos nas primeiras páginas? Gnomos e Branca de Neve, que são representativos de uma cultura de língua estrangeira", declarou ao site Lyubov Ulyakhina, especialista da Academia Russa de Educação.
"Aqui há macacos, Chapeuzinho Vermelho", continuou ela, "e dos 119 personagens desenhados somente nove são ligados à cultura russa. Não é uma questão de mero patriotismo, mas na nossa mentalidade isso não é engraçado."
Este mês, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia advertiu seus cidadãos para que não viajem para países que tenham tratados de extradição com os Estados Unidos.
A Chancelaria alega que o governo Obama "está tentando impor uma prática rotineira de 'caçar' cidadãos russos em terceiros países, visando sua subsequente extradição e condenação nos EUA, geralmente com base em acusações questionáveis".
Em alguns casos, a linguagem xenofóbica é acompanhada de perseguição mais acirrada a adversários políticos e a alguns veículos da mídia.
No dia em que forças russas foram enviadas à Crimeia, Aleksei A. Navalny, o líder da oposição e blogueiro que denuncia a corrupção, foi posto em prisão domiciliar devido a um dos vários processos -amplamente considerados como de motivação política- movidos contra ele muito antes de se pronunciar contra as políticas de Putin em relação à Ucrânia.
Em 11 de abril, promotores anunciaram um novo processo contra Navalny, desta vez envolvendo acusações de que ele e seu irmão Oleg roubaram cerca de US$ 1 milhão (R$ 2,2 milhões) ao cobrar exageradamente por serviços de entrega ligados à empresa de cestaria de seus pais.
O grupo Glavplakat, até então desconhecido, publicou uma declaração em seu próprio site assumindo a responsabilidade pelo banner diante da livraria e prometeu mais arte nas ruas em apoio a sua cruzada contra os traidores.
Boris Nemtsov, velho líder da oposição e ex-primeiro-ministro suplente na gestão de Boris Yeltsin, que figurava no banner, escreveu no Facebook que a situação atual parece pior do que durante a Guerra Fria.
"Em minha opinião, nem na União Soviética as coisas eram desse jeito", comentou Nemtsov.
Dmitry Kiselyov, um conhecido apresentador de televisão, declarou durante um noticiário noturno em março que a Rússia continua sendo "o único país no mundo capaz de transformar os EUA em cinza radioativa". NYT, 22.04.2014

terça-feira, 15 de abril de 2014

Quando usar a força é grátis: Putin usa seus instintos de ex-KGB para submeter uma Ucrânia sem força e legitimidade de se opor

Clóvis Rossi
Vladimir Putin usou a força, por interpostas pessoas, para tirar a Crimeia da Ucrânia. Foi grátis, a menos que alguém leve a sério as sanções adotadas pelos Estados Unidos e pela Europa.
Agora, repete o cenário em cidades do Leste ucraniano. Vai sair grátis de novo. Vale o que escreve Patrick Johnson, colaborador do "site" Geopoliticalmonitor: "O governo em Kiev [a capital ucraniana] é uma edificação apodrecida, tanto econômica como politicamente, e carece da legitimidade necessária para usar a violência contra os rebelados no leste, por mais que as ações destes sejam uma traição. Sem uma ação decisiva de Kiev, o movimento de protesto no leste continuará a se disseminar".
Ontem, as autoridades ucranianas deram o mais claro sinal de que não estão em condições de adotar "uma ação decisiva": requereram às Nações Unidas tropas para enfrentar o levante na sua parte oriental, sabendo perfeitamente que a ONU só poderia atender o pedido se o Conselho de Segurança o aprovasse, o que é impossível porque a Rússia tem poder de veto --e o usaria.
Parece claro, pois, que é correta a análise de John Lough do programa Rússia e Eurásia da Chatham House, centro britânico de análises e pesquisas: "Os líderes ocidentais precisam entender que estão lidando com uma líder russo mais focado nas suas metas na Ucrânia do que nos riscos envolvidos em alcançá-las".
Só discordo de que haja de fato riscos envolvidos: se o Ocidente descarta, como o faz reiteradamente, o uso da força para responder às ações de Putin, não há perigo para o presidente da Rússia, na medida em que as sanções mal fazem cócegas. Na verdade, as próprias ações é que trazem algum risco, não a reação do Ocidente. Basta saber que tanto a Bolsa de Moscou quanto o rublo caíram ontem, pelo medo de que a crise russo-ucraniana chegue a um ponto de ebulição.
O líder russo com o qual estão lidando os ocidentais "provavelmente possui todas as qualidades que foi treinado para ter como agente da KGB: crueldade e arrogância", escreve Alexander Motyl, professor de Ciência Política na Universidade Rutgers (Newark).
Um comandante empenhado em restaurar um mínimo do império que a Rússia já foi. Por isso, desestabiliza a Ucrânia para disputá-la à União Europeia, em favor da qual houve o levante de meses atrás que levou à queda do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovich. Na prática, Putin luta apenas por pedaços da Ucrânia (a Crimeia e a parte oriental do país), já que o restante definiu-se, na rua, pela aliança com a Europa. O que é curioso é o apoio que certos setores esquerdistas no Brasil parecem dar a Putin pela simples razão de que ele se opõe aos Estados Unidos.
Putin é um reacionário, contrário à liberdade de culto, à igualdade de gênero, aos direitos das minorias sexuais. Seus admiradores na Europa são o que há de pior, ao menos do meu ponto de vista: os neonazistas do Jobbik húngaro e do grego Amanhecer Dourado, por exemplo. Pobre Ucrânia, em que parte dos anti-Rússia são também fascistóides.
Folha, 15.04.2015

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Putin continua com apetite, mesmo após anexar a Crimeia

Plano do presidente russo é desestabilizar o governo de Kiev no período que antecede as eleições de 25 de maio
A ÚLTIMA COISA QUE PUTIN QUER NO PLEITO DO MÊS QUE VEM É UM RESULTADO QUE FAÇA A UCRÂNIA SE INCLINAR RUMO À EUROPA
DO "FINANCIAL TIMES"
Desde que a Rússia interveio na Crimeia, o Ocidente está imaginando qual será a próxima jogada de Vladimir Putin. Será que a nova aquisição do presidente russo bastará para saciar seu apetite? Até que ponto ele se disporia a permitir que a Ucrânia, agora reduzida, saísse da órbita de Moscou?
Nas últimas semanas, Putin deu sua resposta, e ela é firmemente negativa para as duas perguntas.
É verdade que ele propôs uma solução diplomática, mas isso envolvia Kiev aceitar tanto sua exclusão da Otan (Organização para o Tratado do Atlântico Norte)quanto um plano que tornaria a Ucrânia uma federação concebida por Moscou.
Ostensivamente destinado a proteger os cidadãos ucranianos que falam russo, o plano solaparia a Ucrânia como Estado unitário. A ideia foi abandonada depois que os EUA recusaram a imposição de um acordo.
Desde então, Putin retomou uma política mais conhecida, de ameaças bélicas, com o objetivo de minar o governo interino de Kiev.
Moscou também reforçou seus ataques econômicos. A Gazprom lealmente se apresentou para cobrar contas de gás atrasadas e ameaçou praticamente dobrar o preço que a Ucrânia paga.
Agora, em uma série de ações que parecem semelhantes aos primeiros estágios de sua intervenção na Crimeia, manifestantes pró-russos não identificados tomaram edifícios do governo em três cidades do leste da Ucrânia.
Sob a capa de um apelo pela calma, nesta semana, o mais rico dos oligarcas ucranianos, Rinat Akhmetov, outro antigo aliado de Yanukovich, pareceu expressar simpatia por esses protestos.
Não se sabe ao certo se Moscou engendrou diretamente essas ações, ainda que a organização e o treinamento dos envolvidos tenham despertado suspeitas.
O que não pode ser negado é que Putin criou uma atmosfera favorável à inquietação no leste da Ucrânia.
Seu objetivo é muito claro: ele deseja desestabilizar o país no período que antecede a eleição de 25 de maio.
A última coisa que Putin desejaria seria um resultado favorável a uma Ucrânia inclinada ao Ocidente.
É difícil determinar até que ponto Putin está preparado a avançar.
O que quer que aconteça a seguir, o Ocidente pensa em deixar duas coisas claras para Moscou.
A primeira é que Kiev tem tanto o direito quanto o dever de restaurar a ordem nas cidades do leste.
Segundo, Putin será lembrado de que as sanções impostas a autoridades e empresas russas foram só o começo. A ideia é tentar mostrar firmeza até que ele desista.
Folha, 09.04.2014
www.abraao.com


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